Breve conto de horror sobre dois caras tendo um dia muito ruim: Jônatas, estressado, pegando o caminho do cemitério e Miguel, todo ensanguentado, pulando na frente do carro.

“Não sei se sonhava o meu sonho, ou se o sonho que eu sonhava era seu. Um sonho dentro de um sonho, eu ainda nem sei se acordei.”
— Nação Zumbi
Sexta-feira à noite, tá frio, tá triste e Jônatas Da Cruz dirige seu Uno, tenta esvaziar a cabeça e bota rock clássico para tocar e mesmo assim os fantasmas de seu dia miserável cantam mais alto; e falando em fantasmas…
“Merda!” pensa ele passando pelo velho cemitério da Candelária. Distraído pegou o caminho mais longo, odeia passar perto do cemitério, supersticioso, sempre acha que isso é um sinal de mau agouro.
“Você já está grandinho para ficar assim com cemitério, afinal de contas o que pior pode acontecer…”
— PORRA!!! — grita pisando no freio parando quase em cima de um homem: cabelo liso curtinho, olhos regalados, jaleco azul e, claro, o estranho está banhando em sangue, deve ser coisa boba.
Os dois se encaram, imóveis, não sei por quanto tempo, mas pareceu uma eternidade. Bem, até o cosplay de Carrie bater no capô do Uno e dizer:
— Me ajuda!
— Não, mesmo — saiu da boca de Jônatas enquanto o estranho dá meia volta a abre a porta do passageiro e senta ao seu lado como se fosse íntimo.
Em choque Jônatas encara o estranho até:
— O que você está esperando? Dirige, eles vão nos pegar!
Jônatas pisa no acelerador deixando o cemitério da Candelária para trás.
Não consegue deixar de encarar o estranho, ou melhor, aquele sangue manchando seu banco e o deixando em pânico, afinal, “foi um acidente? Tiroteio? Tentativa de assassinato ou ele matou alguém?”
— Presta atenção na estrada — diz o estranho com a cara colada no vidro — não quero ver mais gente morta hoje.
— Quem é você e o que aconteceu? — pergunta Jônatas.
— Miguel — responde o homem — e o inferno aconteceu. Estamos em perigo.
— É melhor explicar isso direito, tá me assustando.
— Se está com medo agora, saiba, — diz Miguel se virando para Jônatas, ele então pode ver melhor o crachá no peito do homem dizendo Miguel Cordeiro, enfermeiro — vai ficar muito pior quando eu contar.
O Curioso Caso De Miguel
— Era meu plantão. Sabia que existe um mito que diz que a lua cheia aumenta o número de casos graves? Claro que é só um mito, porém não pude deixar de notar essa coincidência. Lua cheia nessa noite fria, achei que estava tudo bem quando chega no plantão um homem, branco, alto, mais ou menos 1,90 de altura, careca e com marcas de mordidas no pescoço e antebraços.
O paciente foi trazido pela polícia e minha equipe agiu rapidamente. Assumi a posição do policial que pressionava o pescoço do paciente e o levamos à sala. Ele estava muito mal, gemia e os olhos tinham uma estranha coloração branca. Não deu tempo nem de o transferirmos à outra marca, ele me empurrou a soltou um longo gemido para depois ficar inconsciente, corremos para estancar o sangramento e conferir os sinais vitais, nada. Tentamos uma reanimação e o desgraçado continuou morto.
O médico, dr. Fausto, chegou em seguida e declarou o óbito. Desculpe, mas você não vai acreditar, pois desse ponto em diante nem eu mesmo acredito, talvez isso tudo seja um sonho…
— Pelo amor de Deus para de enrolar e conta logo que porra louca aconteceu?
— Estávamos de costas, porém a Maria foi a primeira a perceber, ela não disse nada, ficou pálida e andou para trás esbarrando no resto de nós que também vimos, o paciente, morto, ali sentado na marca, tronco erguido, buraco na garganta e mesmo assim ali parado nos olhando com os olhos brancos como leite.
“Que porra tá acontecendo aqui?” perguntou alguém e ninguém teve reação, ninguém sabia o que fazer.
“O que fazemos doutor?” perguntei ao dr. Fausto que me olhou com aquela cara. Apesar de toda a estranheza, o paciente parecia inofensivo, tudo o que fazia de errado era contrariar a leis do universo e ficar sentado na maldita marca como se não soubesse que estava morto.
Lembro do Sidney se aproximando e o desgraçado virando a cabeça na direção dele, juro por deus que aquilo foi a coisa mais assustadora que já vi na minha vida. O Sidney e depois os outros membros da equipe tentaram falar com aquele homem que não respondia a nada como se fosse incapaz de falar, ouvir ou pensar, e devia ser mesmo afinal estava morto, mas de alguma forma não conseguia ficar deitado na marca como um bom defunto.
O Dr. Fausto deve a brilhante ideia de deixar ele em quarentena até pensar em uma coisa melhor. Que desgraçado!
Maria chegou perto, tocou no braço dele e o chamou para o quarto e para nossa surpresa ele ficou em pé e começou a andar na direção indicada. Retiro o que disse, essa, com certeza, foi a coisa mais assustadora que já vi na vida.
Lembro de ter dado as costas só por um instante, por Deus, eu pude ouvir a voz de uma criança, uma criança muito nova.
— O que ela disse?
— Miguel, Maria, Fausto, Joaquim, Sidney, Jônatas vocês vão morrer.
Nessa hora Jônatas Da Cruz gelou, mas manteve a concentração e perguntou:
— Quem são essas pessoas?
— Todos eles, com exceção deste Jônatas, não sei quem é, era minha equipe que estava cuidando do paciente… — Miguel por um momento deixa uma lágrima escorrer — E a pior parte é que a Maria era a minha irmã.
— O que aconteceu depois? — pergunta Jônatas engasgado.
— Gritos. Quando olhei na direção do paciente ele tinha mordido a garganta da minha irmã, os outros médicos correram para os separarem.
Eu abracei a Maria tentando a socorrer e o sangue dela me lavou, a horta estava partida. Vi os olhos dela ficarem brancos, virei o rosto para pedir ajuda e vi a equipe lutando contra o paciente: doutor estendido no chão, Sidney com um bisturi no ouvido, Joaquim e o paciente agarrados, lutando.
Dos meus braço pude ouvir a voz da criança dizendo: “Miguel e Jônatas vocês vão morrer”. Olhei para minha irmã, mesmo sendo o rosto dela, não reconheci. Foi perturbador, assustador, como encarar uma besta; a experiência mais parecida com um fantasma que já tive. Soltei aquela coisa de olhos brancos na hora e partir a correr.
Olhei para trás quando cheguei na portaria do hospital. Para minha surpresa, o doutor, Sidney, Joaquim me seguiram, ficaram me olhando — faz uma longa pausa como se estivesse vendo os três ali e agora. — Tentei avisar, mas quando os outros chegaram perto deles foram atacados, não demorou para aquilo virar uma carnificina. Eu só corri, corri, corri e…
— O quê?
— Encontrei você.
Então Essa É A Luz Do Fim Que Merda!
O Uno segue em silêncio à cidade, as luzes estão apagadas, é um apagão, o silêncio é cortado por som de tiros e gritos. Da escuridão emerge o brilho viciante de um incêndio se alastrando. O Uno para na encruzilhada, os dois estranhos se entreolham.
— Eu não quero morrer!
— Eu também não — diz Miguel — qual é o seu nome?
Para surpresa dele, o outro começa a rir histérico.
— Qual é a graça?
— Eu me chamo Jônatas.
Um sorriso escapa dos lábios de Miguel o deixando estranhamente bonito para Jônatas que sacode a cabeça tentando isso ignorar.
— Escuta, Jônatas, hoje ninguém mais vai morrer.
No horizonte o brilho do incêndio ilumina a cidade como um novo sol, pessoas correm, carros saem em desesperada fuga, gritos e tiros ficam mais altos. A luz do fogo traz uma imagem ainda mais perturbadora: silhuetas de várias pessoas paradas como fantasmas apenas observando.
Por um átimo Jônatas fecha os olhos e trinca os dentes, momento miserável, pois escuta uma voz de criança falando a seus ouvidos, vira na hora para Miguel que apena diz:
— Eu escutei, só ignora e pisa fundo!
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