
Já li vários relatos de autores, na maioria autoras, dizendo superar traumas através da escrita ou, pelo menos, que ela serviu como uma poderosa ferramenta neste processo. Não sei se meu caso se encaixa nisto, mas, com certeza, tenho a minha própria história de fantasmas, afinal de contas, vi o Homem De Dez Mil Olhos pessoalmente.
Sou basicamente um autor de horror, casas assombradas e portas rangedoras são o meu meio ambiente natural e mesmo assim o frio olhar do Homem De Dez Mil Olhos me assombra de maneiras que eu não sei lidar. Sabe, são poucos os textos que consigo dizer precisamente o dia de seu nascimento, porém esse em especial está marcado na minha carne: 28/05/2020. Fazia quase três meses da morte da minha vó e bum… outro funeral, a tia Nil não estava mais entre nós… isso me deixou quebrado…
Permita-me nesta hora sagrada contar a você um segredo guardado a sete chaves, jamais contem a ninguém além do Homem De Dez Mil Olhos: além da sombra da morte foi assombrado ao ver a minha família se desfazendo, cada um indo para um lado, estranhamente brigados por motivos que até hoje não entendo.
Lembro da sensação de perda, de algo se esfarelando em mim e não importava o quanto parecia forte por fora, mera ilusão, usei o que sobrou de mim para consolar meus parentes e mesmo assim… daquele dia em diante cada um foi para um lado. Essa coisa abstrata ficou na minha cabeça e eu a transformei num capítulo, Coisas Para Não Se Dizer Num Funeral, e na solidão de meu quarto, tarde da madrugada, como agora escrevo essa crônica, me encontrei com o Homem De Dez Mil Olhos.
Enquanto me perdia dentro de uma fantasia de terror eu não precisa encarar os próprios terrores do meu coração, enquanto brincava de resolver mistérios as vozes da minha cabeça se calavam — engraçado, nessas horas não importa se você acredita ou não na vida após a morte, a verdade é que você quer vida agora! E como agora você não pode ter… isso dói, dói muito.
Dor, dor, dor sentir tanta dor que um certo dia acordei só para ir ao cemitério tentar matar a saudade, fiz uma caminhada de 1hs45 a pé. Ao chegar lá por entre os túmulos fiquei andando com a cabeça perdida em pensamentos, um fluxo constante que eu recuperei e acrescentei na cena do cemitério no conto.
“Segue por um corredor de túmulos bonitos, santuários para as memórias de uma vida inteira, santuários para ossos e a carne podre. E se você for pobre o que te espera? Um buraco para esconder seu corpo até não fede mais? E o que vem depois? Um buraco cheio de ossos onde você se mistura com os outros até perder o último traço de individualidade? Para onde vão as memórias desta vida? Quem lembrará que um dia você existiu? Quem lembrará que um dia estivemos aqui? Quem vai lembrar o que sentimos? E o pior: quem se importará?”
Fiquei zanzando entre túmulos fingindo que eu queria alguma resposta quando na verdade só queria elas de volta. Não importava o quanto dissesse a mim mesmo que estava bem, mentiroso, eu só queria elas de volta.
Talvez você não entenda, mas brincar com esses pensamentos no cemitério me fizeram bem, me deram conforto, como se por um átimo miserável pudesse controlar o que não tenho controle.
Depois disto e cansado de tanto andar decidir que era hora de voltar para casa e escrever, mas primeiro fiz uma parada no banheiro do cemitério — a descrição do conto não foi exagerada ele realmente estava daquele jeito — minha mórbida imaginação viu naquele espaço vazio, no escuro das cabines um único e grande olho amarelo olhando para mim e isso me deixou feliz, minha cabeça parou de pensar na morte real e me dei o luxo de me delatar nestes monstros inventados, cheguei em casa e escrevi sobre mim mesmo enquanto fingia ser outra pessoa.
Depois travei por meses sem conseguir escrever nada — sem falar que numa certa noite tudo o que eu reprimia veio átona e estouro com tudo na minha cara numa assustadora crise de pânico. Me agachei no escuro, tremendo, perdido em paranoia com um profundo medo da morte, foi nesse momento que disse a mim mesmo: você precisa de ajuda e fui procurar um psicólogo.
Depois do baque, pouco a pouco fui me recuperando e finalmente tive coragem de terminar o conto, me obriguei por diversas vezes ligar o computador e escrever no mínimo um capítulo. Sabe, não era um bloqueio, a história estava completa na minha cabeça, eu simplesmente não conseguia escrever… bem, até eu me emburrar entre as palavras, encarar o Homem De Dez Mil Olhos e passei por ele retornando a minha rotina de escrita. Com isso descobrir um sinal de alerta: quando eu não conseguir escrever… escuridão e nada mais, meus lindos.
Espero que entenda o porquê deste conto ser tão difícil para o humano que sou, difícil de ler, de revisar e acima de tudo, falar sobre. A gente acha que superou as coisas, mas, na verdade, é só uma anestesia, afinal de contas é a morte que está destinada a vencer todos os seres vivos e não o contrário.
As vezes eu me pergunto qual será o destino do homem de dez mil olhos? O título original era O Homem De Mil olhos, porém mudei para ele se unir a um romance que idealizei há algum tempo, embora com o passar dos anos esse romance parece cada vez mais distante assim como distante é minha vontade de voltar as páginas deste conto, afinal de contas, deis daquele dia 28 de maio o Homem de Dez mil olhos é e sempre será a minha pequena caixa de pandora.
“(…) de repente sua mente se perde em devaneios, tudo vai escurecendo e os olhos pesados vão focando na parte mais densa da mata, o coração da escuridão, vê duas esferas douradas a observando, observando, observando, observando, observando, observando, observando…”
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