
"Sou meu próprio líder, ando em círculos
Me equilibro entre dias e noites
Minha vida toda espera algo de mim"
— Renato Russo
Tem uma palavra… que palavra eu estou procurando…
Eu me descobrir numa tarde qualquer como outras tantas que vivi. Andando sobre o sol quente do meio-dia, meu rosto exposto, tenho, eu sei, a necessidade de um protetor solar, porém sou assim mesmo: um relaxado profissional. Sei que faz mal, sei o que precisa ser feito e mesmo assim digo a mim mesmo:
“Pode esperar”; “Só esta vez”; “Se eu for rápido não dá em nada”… um monte de desculpas… isso, isso, a palavra que eu procurava: “Desculpas”. Sou uma desculpa ambulante deixando o tempo escorrer pelas frestas dos meus dedos, sou eu a maior vítima e carrasco dessa história e isso, meus amigos, dói muito, mas não se preocupe já tenho uma desculpa para me cura.
Naquela tarde ardida, sentindo o meu corpo grudar de suor, vontade de sentar no trilho, vontade de voar pelo céu. Às vezes olho para cima a procura de algum sinal nas nuvens, gosto de pensar que Deus está me dizendo algo e depois digo que é outra desculpa, outra distração, estou mentindo para mim mesmo e acreditando. Às vezes eu sou tão… inútil; veja você mesmo, eu disse um monte de coisas e ainda não disse nada. Acho que é porque quando eu falar será verdade; e não estou pronto pra dizer a verdade sem me quebrar um pouco.
Queria ser mais humilde e admitir que há coisas que não consigo dizer, porém o meu imenso orgulho me empurra para um malabarismo de lógica, também conhecido como desculpas. Tudo bem, tudo bem, acho que estou pronto agora, direi uma verdade sobre mim, mas com cuidado, pois tenho medo que minhas palavras se tornem vidro e me cortem ainda mais, recentemente descobri que tenho o desejo insistente de voltar para Casa.
Outro dia eu sair com uma pessoa bonita por dentro e por fora que se semelhava ao sol que nos ilumina e mesmo vivendo um dia claro em plena noite paulista me peguei pensando: “Quero voltar para Casa!”
Estava andando solitário pela praça escutando músicas dos anos 80 quando vi uma família feliz e naquele momento sentir: “Quero voltar para Casa!”
Estava no meu escritório de arquitetura diante de um espelho sentindo o meu rosto bater à porta dos cinquenta quando pensei: “Já construir muitas casas e nenhuma delas é a verdadeira Casa que está no meu mais íntimo silêncio”. De novo aquele sentimento “Quero voltar para Casa” me desconcertando. Será que mesmo sendo um arquiteto de renome eu jamais soube o que é de verdade uma casa? Será que tudo o que fiz e farei não passam de uma corrida silenciosa comigo mesmo a procura de algo totalmente incógnito metaforizado numa expressão nostálgica: “Quero voltar para Casa”. Desculpe minhas palavras difíceis, mas o que sinto é tão complicado de explicar que quase tenho que inventar um novo idioma só para dizer: Quero voltar para Casa!
À noite pego todos meus travesseiros e os coloco em torno de mim, fazendo um gostoso ninho, me enrolo com meu coberto felpudo e fico confortável até acorda de madrugada com o terrível desejo: “Quero voltar para casa!” mas eu já não estou em casa? Levanto totalmente nu, não de roupas, mas de alma. Tenho tanto medo que alguém entre nesse momento e me veja como realmente sou. E o que isso faria comigo? Com certeza me quebraria em mil pedaços e nunca mais conseguirei me montar de volta… claro que é só outro medo besta… já estou em pedaços a muito tempo e me reconstruir não passa de um doce delírio.
Num átimo de desespero e loucura, saio correndo de casa pela madrugada fria na vã tentativa de chega em Casa — mas que coisa! Fugi de casa para voltar para Casa. Seria absurdo se a casa onde vivo não parecesse a de outra pessoa, se toda vez que olhasse no espelho não visse outra pessoa; se todos os dias vividos não parecessem vividos por outra pessoa. Me perco na noite entre gritos de agonia e terror por um desejo tão mínimo, tão fútil, tão estupidamente infantil: “Quero voltar para Casa!”
Sentado sozinho na praia sobre a lua cheia, céu limpo e o frio poderoso reivindicando minha carne para si. Não me leve a mal, não sou suicida, não quero morrer, só um pouco de solidão para pensar, só um pouco de solidão para me encontrar. Fecho os olhos e escuto o poderoso silêncio íntimo. Não quero machucar ninguém, não quero decepcionar ninguém, não quero preocupar ninguém, só quero voltar para Casa…
Se, pelo menos, eu soubesse o que é "Eu";
Se, pelo menos, eu soubesse o que é "quero";
Se, pelo menos, eu soubesse o que é "voltar";
Se, pelo menos, eu soubesse o que é "Casa"…
Tatuei tudo isso no meu peito bem grande para todo mundo vê, paguei o preço da dor e do amor e mesmo assim três dias depois a tinta se apagou e meu peito estava limpo, isso respondeu tudo sem responder nada…
Avaré, 25 de julho de 2019
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